Fala galera, tudo bem? Estamos aqui em mais Um bom dia para uma boa semana.
Quando eu era criança, tinha uns amigos em Itacoatiara. Uma grande amiga da minha mãe morava lá e ela tinha dois netos e uma neta. O neto mais velho dela era mais ou menos da minha idade. Nós frequentávamos a mesma evangelização aos sábados e muitas vezes depois desse momento com Cristo, eu ia brincar na casa deles. Era muito divertido e bacana. Mas era meio difícil também. Essa introdução toda foi para dizer que um dia meu irmão mais velho, ao ouvir minha queixa de que pessoas me chamavam de m4c4c0, explicou que as pessoas brancas tinham mais semelhanças físicas com esses animais do que as pessoas negras. Ele apontou para características como pelos corporais, espessura dos lábios e outros que nem me lembro. E desses amigos de Itacoatiara tinham dois em especial que eram bem difíceis e incisivos nas suas piadas. Eram dois irmãos, filhos de pai alemão e mãe brasileira, ou algo do tipo. As vezes eles também iam a evangelização e num dia falaram de como uma das crianças parecia um m4c4c0 e quando retruquei com a colocação científica do meu irmão, que nos convida a razão, eles me responderam: “Mas m4c4c0 é preto!”
A violência do racismo é algo que não está no gibi. Ela nos atravessa, nos estripa e nos deixa olhando pra nossas vísceras num eterno não-morrer tipo em As Intermitências da morte do Saramago. Quando era necessário ser levado além da fronteira para poder morrer. E a resposta bate pronto desse menino, porque nós éramos meninos, por mais que pareça burra e rasa é um dos pilares que sustentam a nossa sociedade.
Até pouco tempo atrás a ignorância era uma benção. Eu podia ser um macho escroto e alegar que não estava por dentro dos textos feministas. Ou um racista desconhecedor das pautas raciais. Ou achar que gênero é uma execução binária onde se é um ou outro de acordo com determinações biológicas. Porém, hoje a ignorância segue sendo a escolha que abençoados tem para não mudar. É uma escolha ativa. E muito dos efeitos do que ocorreu nos últimos anos no Brasil é uma manifestação disso. Pois, se tá no meu zap, não precisa estar nas mídias e se está nas mídias é manipulação.
Vi essa semana pouquíssimas pessoas falarem do QUARTO caso de trabalho análogo a escravidão por parte do Lollapalooza Brasil, ou seguir a repercussão da vinícola do sul do país que manteve pessoas na mesma situação. E mais uma vez isso mostra como o regime econômico brasileiro (mundial, mas muito brasileiro) se dá através do flerte com o trabalho escravo. Numa postagem brilhante e viceral o João Marcos Bigon traz tudo pra gente aprender e entender o ponto. Tem os casos, fundamentação teórica, tem dados, estatísticas e tudo mais que precisaria para isso entrar na cabeça das pessoas. Mas seguimos ignorando e deixando pra lá.
Durante muito tempo não entendi o que se passava e porque as coisas se passavam daquela forma. A ignorância, pra mim, nesse caso foi uma maldição. Ninguém pegou pela minha mão e nomeou certas coisas. Até porque minha família não olhava para essas situações com esses nomes quando era criança. A ignorância nesse sentido me fez ter raiva de mim, dos outros e dos espaços. Fanon escreveu um livro chamado Os Condenados da Terra, no qual o processo colonial é dissecado e mostra didaticamente como as consequências nos dilaceraram/dilaceram e continuarão se não mudarmos.
“Mas m4c4c0 é preto”: uma frase com quatro palavras, sete sílabas e quinze letras. Enquanto uns decidem, outros são decididos.
Sigam João Marcos Bigon, Jonathan Raymundo, Maíra Blasi, GG Albuquerque, Dave Avigdor, AUR, Alma Preta Jornalismo, Negro Muro e tantos outros e outras e outres possíveis.
Caso vocês gostem das discussões aqui levantadas e tenham vontade de responder, realmente estou aqui para trocar essa ideia. Além disso, se gostarem do conteúdo, indiquem para amigos que vocês acreditam que se beneficiarão desse papo.