Até quando o sonho do oprimido será se tornar opressor?
Ou racializamos a educação ou seguiremos reproduzindo o mesmo ciclo que nos trouxe até aqui.
Eu sou o Chico Canella e estamos aqui em mais Um bom dia para uma boa semana.
Um tempo atrás vi essa postagem do Alma Preta Jornalismo sobre enegrecer os espaços de poder. Num país no qual 56% da população se declara negra ou parda, temos em sua maioria homens brancos, de meia idade, famílias tradicionais ou ricas, ou ambas. E nesse sentido, fica muito difícil realmente pensar em transformações que envolvam reformulações verdadeiramente de base. Mas isso não vem de hoje, nem começou ontem. Data de tempos remotos da história do nosso país.
Quando nós falamos de ocupação de espaços de poder, estamos falando dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Onde legislam, julgam e executam. Mas também precisamos da ocupação de pessoas pretas nas direções de grandes instituições financeiras, educativas, médicas, na engenharia e em tantos outros campos do saber e do poder, que não sejam só o esporte.
Qual seria o melhor caminho para isso? O primeiro que vocês pensaram foi a educação? A educação com certeza seria um caminho viável e a primeira resposta que eu daria. Eu citaria Paulo Freire e diria: “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é virar opressor”. E de alguma forma é isso que vemos e vivemos. O Ministro Silvio de Almeida, numa palestra dada na Escola da Vila, diz que na ideia primeira a educação teria um papel transformador e emancipador do sujeito, mas que infelizmente não é assim. E afirma: se não fosse a educação o racismo não conseguiria se reproduzir. É claro que ele não está dizendo que o problema é a educação, mas sim como se pensa e se faz educação hoje. Uma educação desassociada de um projeto político de emancipação não é a educação libertadora de Paulo Freire.
Assim precisamos pensar mais uma vez o que está em jogo.
“Não veio do céu
Nem das mãos de Isabel
A liberdade é um dragão no mar de Aracati”
O que está em jogo é um projeto de execução/exclusão da população negra. E muitas vezes parece repetitivo esse papo por muito se repetir. Mas é impossível ignorar alguns fatos. O Brasil foi o último país do ocidente a abolir a escravidão. E por mais que os livros de história tentem ensinar que Isabel e a Lei Áurea são os responsáveis por isso, não dá pra engolir essa. A insurgência preta em forma de tantas revoltas estourando ao redor do país, a pressão do exército (abandonando a condição de capitão do mato do império) e até o fim da Guerra Civil estadunidense foram os verdadeiros disparadores desse processo.
Luiz Gama, André Rebouças e tantos outros abolicionistas se esforçaram para pensar nesse processo de transição de maneira que a reparação e a transformação politico-social fossem reais pra no final Isabel assinar uma carta que dizia:
Depois vieram os imigrantes europeus e todo o projeto de embranquecimento do país. Esse sim um projeto. Um projeto de governo para a extinção da população negra no Brasil até o fim do século XX. Em 1911, em Londres, aconteceu o Primeiro Congresso Universal de Raças. E o representante do Brasil apresentou esse projeto.
“Combinaram de nos matar. A gente combinamos de não morrer”.
E o que tudo isso tem a ver com educação e ocupar lugares de poder?
Desde que se pode votar no Brasil até 1985, pessoas analfabetas não poderiam votar. No Brasil colônia, no império e na república o acesso a educação de pessoas negras e pobres sempre foi proibido, dificultado e praticamente barrado. Ou as escolas eram CARAS demais ou não permitiam o ingresso de alunos negros. Até as políticas afirmativas de cotas não havia ocupação de pessoas pretas, periféricas ou de povos originários nas universidades federais e nos cursos mais elitizados como medicina, direito ou engenharia. Turmas e mais turmas da faculdade de medicina de Salvador, que tem população negra superior em número a muitos países na Africa, de alunos brancos e alunos brancos e alunos brancos.
Nesse sentido, o Ministro Silvio de Almeida está certo. Ou a forma como vemos a educação muda e racializamos essa prática ou seguiremos tampando o sol com a peneira.
Caso vocês gostem das discussões aqui levantadas e tenham vontade de responder, realmente estou aqui para trocar essa ideia. Além disso, se gostarem do conteúdo, indiquem para amigos que vocês acreditam que se beneficiarão desse papo.
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