Eu sou o Chico Canella e estamos aqui em mais Um bom dia para uma boa semana. Essa semana um pouco diferente do habitual. Primeiro, porque temos um convidado nesse texto. Danilo Gomes compõe com uma das histórias e segundo por ser a primeira vez que escrevo histórias aqui. Vamos nessa.
História 1 - Conversa de pai e filho
Durante muito tempo o pai não via questões que se apresentavam na sua frente. Ele, branco, era pai de dois rapazes negros. Ele, branco, achava normal toda sexta-feira seus filhos irem para o salão passar a máquina 2. Não poderia ser a 1 para não parecer trombadinha, nem a 3 se não antes da próxima sexta ficaria evidente o tipo de cabelo das crianças. Mas o tempo passa. Os filhos deixam de ser meninos e viram homens. Apesar de diferentes, os dois experimentam sensações parecidas. Sejam nos apelidos, sejam nas brincadeira. Mas cada um leva do seu jeito. E o tempo passa. Um dos filhos resolve presentear a mãe num aniversário com o livro Um defeito de cor. A mãe o lê num espaço de tempo impressionante. Assim que termina, coloca-o sobre a mesa do pai. E diz: você precisa ler esse livro. O pai tinha outras prioridades, afinal a política estava fervendo, os enormes relatos da segunda guerra não poderiam esperar. Mas o tempo passa. E um dia o pai abre aquele livro. Um livro que começa como todo bom livro, com uma história que te faz ter certeza que se tudo é verdade é genial e se foi tudo criado é genial. Depois de ler esse livro, o pai não consegue ver mais as coisas do mesmo jeito. Visita e revisita o passado. Busca outras leituras. Muda discursos que duraram anos. Ele é um homem que veio do nada e batalhou. Ele é um homem honesto que nunca passou ninguém pra trás. Ele é um bom homem. Mas nada disso o impedia de não reconhecer o racismo que morava em sua casa. E numa conversa com esse filho ele disse: algumas coisas sempre estiveram aqui e eu nunca vi. Algumas atitudes, alguns sentimentos e comportamentos. E eu nunca vi. Mas você vê agora, disse o filho. O mais importante é isso.
História 2 - Uma vez, meu amigo branco... (Danilo Gomes)
Paramos no semáforo e um homem branco com cabelos grisalhos se aproximou do carro, e prontamente meu amigo abaixou o vidro, procurando algum dinheiro para dar. O senhor, por sua vez, disse que trabalhava em um determinado local, mas que estava ali porque estava com fome. Meu amigo, que é branco, pediu para que ele esperasse na próxima esquina. Entramos no Burger King (o fast-food favorito do mencionado senhor) antes de optar pelo combo com três lanches, batata grande e refrigerante, que custava 40 reais. Ele perguntou qual era o maior lanche, porque era um lanche para "dar a alguém". O pedido não demorou mais de 10 minutos para ficar pronto, o que se tornou inadmissível para meu amigo. Ele se irritou e disse que era um absurdo demorar tanto tempo, que não era possível tanta incompetência. Ele também ficou irritado porque talvez o homem não estivesse mais lá, dizendo que talvez "ele não tivesse acreditado na palavra dele e tivesse ido pedir em outro lugar. Afinal, essa galera é assim" (sic). Ele teria jogado 40 reais no lixo - ser uma pessoa boa parece uma tarefa muito difícil. Quando o senhor apareceu, ele conferiu e entregou os lanches, mas ainda faltava o refrigerante. Então, ele gritou para o atendente e apontou para o senhor, dizendo que ele receberia o refrigerante que havia pedido anteriormente para que o segurasse no local. Meu amigo, branco, disse: "Ah, mas eu quero é ver ele fazer isso." No entanto, ele não ficou lá para assegurar que os direitos daquele cidadão fossem respeitados. Ele entregou o carro e saímos para retomar nossa rota inicial, mas percebemos que precisaríamos fazer o retorno na mesma rua. Então, ele estava lá, todo indignado com a demora, pensando: "Será que eles vão entregar o refrigerante para ele?" Eu respondi: "Pode ser que sim, pode ser que não." Assim, ele fez uma curva perigosa e voltou para terminar sua boa ação. Parou o carro literalmente no meio do estacionamento, dificultando a passagem de outros veículos, foi até o caixa do drive-thru e descobriu que havia apenas dois funcionários trabalhando em uma terça-feira às 22h, com o restaurante lotado. Quantas pessoas você consegue oprimir para fazer o bem?
História 3 - A avó.
Numa segunda-feira qualquer todas as crianças estavam sentadas em rodinha e a professora então perguntava pra elas: O que fizeram no final de semana? Muitas crianças responderam o que tinham feito até que chegou a vez de um menino. Ele olhou pra professora com os olhos arregalados e disse: Eu viajei com a minha avó. E pra onde vocês foram? O menino respondeu: São Gonçalo. A turminha riu e a professora meio sem graça disse: Ah, gente para ele é viajar. O menino não entendeu bem o porque do espanto de todos. Para ele havia sido uma viagem incrível. Tudo havia começado na sexta feira, quando na saída da escola lá estava sua avó. Uma senhora negra, baixa, com o cabelo batidinho, saia jeans, uma blusa listrada e duas bolsas embaixo dos braços. Além da sua própria, um santuário onde haviam todas as rezas possíveis em papéis tão dobrados que ao desdobrá-los viravam outras rezas para serem rezadas. Além de uma cadernetinha de telefones com linhas minúsculas e ela com letras ENORMES extrapolando as margens da caderneta. Ela usava um óculos quadrado, passava bastante pó para clarear a pele e estava de pé esperando o neto sair. Colocou-o debaixo dos braços como se fosse apenas mais uma bolsa e partiram para o centro da cidade. Num ônibus nem cheio, nem vazio a avó cochichava o que tinham que fazer no centro, antes de embarcarem no próximo ônibus. Fulano quer isso, Ciclano quer aquilo. Depois de realizarem todas as missões necessárias, seguiram direto até o Terminal Rodoviário e ai sim pegaram aquele ônibus lotado sentido São Gonçalo. A avó, o neto e as bolsas sacudiram do Centro de Niterói até a Covanca. Quando as pessoas ofereciam o lugar para a avó, ela agradecia, mas recusava sempre. Falava: Eu fiquei sentada o dia todo. Pediam para ao menos segurarem as bolsas. Essas ela passava, mas jamais A BOLSA dela. O neto durante um tempo achou que ela andava com uma pistola na bolsa. Não impressionaria se fosse verdade. Ele tinha certeza que a avó ganharia na porrada de todo mundo que estava no ônibus. Ele sabia do que ela era capaz. Ao chegarem no ponto em São Gonçalo, caminhavam por toda Travessa da Talita e chegavam até a última casa da rua. Lá subiam ainda escadas até chegarem na casa do tio. O menino já ia brincar com os primos e a avó ia pra cozinha preparar um lanche. No sábado ela deixava ele brincar até ficar imundo, com os shorts rasgados de escorregar em barranco de barro em folha de bananeira ou caixa de papelão. Ela, a avó, em nenhum momento repreendia ele. Já no Domingo, não podia fazer nada. Tinha que ficar arrumado, porque iriam embora no final da tarde. É engraçado pensar nesse grau de permissividade e de proibição. Mas o neto entendia a avó. No final da tarde ela colocava as bolsas e o neto embaixo dos braços e partia até a casa deles. Ele dormia no colo dela no ônibus e sonhava os sonhos mais legais. Como decolavam para os céus do barranco de barro, ou comia lanches preparados pela avó, que ele dizia ser uma mulher ouro com mãos de açúcar. Mas no final era ali, no colo ou debaixo do braço daquela senhora, onde ele se sentia mais seguro.
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