Como vocês podem notar estou assinando Chico Canella, apesar do email ser Costa. Uma breve explicação sobre isso. Canella é o nome que meu bisavô deu para minha vó. Ele se chamava Nilo Canella. Nilo foi um homem simples. Morador de São Gonçalo. Trabalhava como calafate e foi preso por ser considerado comunista, quando comprou uma rifa de um porco (animal) de pessoas afiliadas ao Partido Comunista.
Eu e Nilo temos algumas coisas em comum. A maior de todas é o amor por minha mãe. Nilo era tão apaixonado pela minha mãe que despertava ciúmes na minha bisavó. Recentemente dei para minha mãe Cartas para minha avó da Djamila Ribeiro e foi um momento muito bacana de trocas e lembranças. Mas voltando ao Nilo. Meu bisavô era filho de Neném. Era como chamavam a minha tataravó. Vovó Neném. Isso em si já daria uma poesia, mas no caso ainda não deu. Minha vó, numa entrevista dada a mim, me disse que Neném era do tempo da escravidão. Assim como seu irmão Tio Tibá. Tanto Neném, quanto Tibá eram Canella também. Canella remete a minha ancestralidade. A um caminho muito difícil de percorrer, pois as informações são poucas. E também porque guardam grandes sofrimentos, mas também enormes alegrias. Uma dessas alegrias também sou eu. Por isso, a partir desse ano sou Chico Canella. E aos poucos eu vou mudando em cada lugar para ir assumindo a minha nova alcunha.
Outra novidade é que agora estou usando a ferramenta Substack. Ainda estou me adaptando, assim como ao Chico Canella, mas em breve espero que esteja tudo em ordem.
Depois dessa introdução de nomes, gostaria de convidá-los a pensar comigo acerca de dois temas. O primeiro é uma pergunta: O/A Fotógrafo/a é generoso(a)? (Essa reflexão foi adaptada do texto do romancista Haruki Murakami “O Romancista é generoso?” do livro Romancista como vocação)
A Fotografia é, sem dúvida, uma forma de expressão muito ampla, independentemente do que os outros pensem.
Com certeza o advento da fotografia revolucionou a vida das pessoas ao redor do mundo. As possibilidades abertas ao longo desses anos são diversas. E por isso a fotografia guarda dentro de si uma amplidão, quando pensamos em possibilidades tanto de execução, quanto de tratamento ou mesmo de temáticas. A prática é tão ampla que reconhecemos quando uma pessoa tem um talento especial, mas isso não faz com que outras pessoas sem o ~dom~ não consigam ser boas fotógrafas. Por isso, penso que é necessário alguma “competência” e que ela pode ser adquira.
Talvez a generosidade dos fotógrafos esteja relacionado com o fato da indústria da fotografia não ser uma sociedade em que o ganho de um signifique necessariamente a perda do outro. O surgimento de uma nova fotógrafa não significa (a princípio) que um fotógrafo mais velho perderá seu emprego ou posto. E a relação entre eles proporciona uma forma de possível crescimento entre os dois. Claro que num mundo ideal <3.
Ao tirar uma fotografia, os fotógrafos geralmente convertem em narrativa visual o que existe no interior da sua consciência. O que existe na consciência e o que foi captado são diferentes, e eles usam essa diferença como uma alavanca para criar o dinamismo da narrativa visual. É um trabalho cheio de rodeios que demanda muito tempo.
Quando pensamos na necessidade da fotografia, pensamos no registro histórico. Mas pensando nisso, por exemplo, a fotografia poderia ser como bonecas russas, sempre saindo uma igual de dentro da outra. Como uma repetição eterna. David Hume, o filósofo, tem uma frase que diz “a repetição nada muda no objeto que se repete, mas sim na alma que a observa”. O ato de fotografar faz com que as fotos sejam diferentes. Pode ser o mesmo momento, o mesmo enquadramento e se produzirem dois eventos diferentes. Tanta imagem pode se parecer desnecessário, ainda mais hoje com TikToks e Instagrans, mas não é uma característica da fotografia produzir algo “desnecessariamente” necessário?
Lendo tudo isso agora, não tenho certeza se o fotógrafo é generoso. Alguns encontros com certeza guardam uma generosidade. É claro, que tem um corte de gênero e classe até hoje na prática e na profissão. Escrever exige papel e lápis. Fotografar exige dinheiro para investimento em equipamentos. Ambas práticas exigem tempo. E pra quem tem fome e pressa, tempo sempre é algo escasso. Mas sem dúvida, esses encontros proporcionam muitas reflexões. Deixo duas clássicas aqui: Susan Sontag <> Sobre Fotografia e Dorrit Harazim <> O Instante Certo.
O segundo tema que gostaria de falar com vocês até envolve um pouco o primeiro tema, não o tema em si, mas como o apresentei. A apropriação de ideias dos outros pode ser algo muito perigoso. Ainda mais quando não damos créditos e parece que são pensamentos da nossa cabeça. Temos vários exemplos consagrados disso. Hoje, por exemplo, é sabido que os gregos estudavam no Egito e ao retornarem para Grécia falavam de suas ideias originais. Mas o que é originalidade?
Oliver Sacks no livro Um Antropólogo em Marte diz: “A criatividade envolve a capacidade de originar, de romper com as maneiras existente de olhar as coisas, mover-se livremente no domínio da imaginação, criar e recriar mundos inteiros na cabeça da pessoa - enquanto supervisiona tudo isso com um olho crítico interior”.
Trago isso, para falar um pouco sobre um caso que rolou recentemente nas redes sociais com o João Marques. Psicólogo e influencer nas redes sociais, João Marques, um homem preto, protagonizava um discurso sobre a desconstrução da masculinidade. Em seus posts, muitas vezes parecia que ele mesmo estava descolado de tudo que falava. Como se existissem homens, mulheres e ele, observando tudo. Isso inclusive é algo intrigante para mim nessa seara. Como pensar e falar de forma a se incluir sem colocar exemplos pessoais? Mas isso é assunto para outra news.
Bem, descobriram que João na verdade plagiava outras psicólogas, inclusive uma com mais frequência, e isso traz meio que tudo para o buraco da masculinidade tóxica e do machismo estrutural novamente. E apesar do linchamento virtual exacerbado sofrido por ele, na minha opinião uma questão racial, fica pra mim a seguinte reflexão: como na busca por protagonismo em relação a mudança na masculinidade estamos apenas repetindo padrões. Criamos ícones ao invés de exemplos. Criamos divindades inalcançáveis ao invés de pensarmos no futuro coletivamente. É claro que não estou com medo de uma Comissão das Inverdades da Masculinidades. Mas cada vez mais acho que precisamos de Pontos de Encontro. Lugares onde homens possam ir mentalmente para construir outras possibilidades. Sei que isso não é simples, mas fica aqui a reflexão.
João Marques fez um post de mea culpa e perdeu mais de 300k de seguidores. No entanto, entre o acontecido e a publicação dessa news ele já apagou o post de reconhecimento do seu erro e sabe que em breve pode voltar a produzir conteúdo e capitalizá-lo usando como base seus ainda mais de 200k seguidores.
Dai voltamos a questão da originalidade. É claro que o mercado segrega, como falei mais acima, mas ainda acredito que “a originalidade de um criador ou de uma obra só pode ser avaliada corretamente depois de eles terem passado pelo teste do tempo”. Já que “uma forma de expressão não é caracterizada como original só porque irrita as pessoas”. Mas algo novo pode gerar o desconforto. E para esse desconforto é necessário um esforço. “Para chegar à fonte, é preciso nadar contra a correnteza. Somente o lixo desce rio abaixo” Zbigniew Herbert, poeta polonês.
O tema da originalidade com certeza também voltará por aqui.
Fiz uma playlist com 4 canções muito originais. Uma é a cara de uma série abordando o universo adolescente de uma forma crua e fantástica. Uma causou tamanha estranheza nos balés. Uma é de um músico que conheci em janeiro. E a última é de um xará meu que semana passada teria completado 56 anos se não tivesse morrido precocemente em 1997.
Alguns Links que gostei de ter acesso nas últimas duas semanas:
O show que é o Abraço Cultural.
Como parte da divulgação do filme De Volta aos 15, a Netflix enviou um press kit que é para fazer todo millennial chorar de emoção.
Por hoje é isso. Caso queiram mandem feedbacks, se acharem que algum amigo ou amiga pode gostar de recever esse conteúdo indiquem a news e bora continuar esses papos todos.
Muito obrigado.
Um beijo e um abraço.
Chico Canella.
<3 um conteúdo de reflexão que desperta como um bom café.