Olá! Eu sou o Chico Canella e essa é Um bom dia para uma boa semana! Uma newsletter quase semanal sobre temas quase cotidianos.
No disco Sinal Fechado, o cantor Chico Buarque gravou músicas de autoria de diversos artistas. Dentre essas está O filho que eu quero ter de Vinicius de Moraes e Toquinho. Nessa música Vinicius passeia pelo que seria a “ordem natural das coisas”. O desejo de ter um filho, a transformação de um filho em menino e do menino em homem e por fim o derradeiro adeus do filho ao pai. Cantei diversas vezes essa canção durante os meses de gestação do meu filho. Imaginando como seriam esses momentos, essas transições e essa “ordem natural das coisas”. Me perguntava será que ele vai gostar de mim? Será que ele vai parecer comigo? O que ele vai ser quando crescer?
Então, veio a “ordem não natural das coisas”. Ficou um vazio. Esse vazio começa a ser preenchido com o luto. E ai que começa a luta. Luto porque se não lutar não tem como continuar. E a luta do luto acaba por ser um combate. Mas esse embate é com quem? Porque parece muitas vezes uma luta na qual deferimos golpes contra nós mesmos. Já que vivemos um combate com todos os sentimentos, saudades, sensações, culpas, angústias e quem sente tudo isso sou eu. Eu luto comigo em luto. Combato a minha dor e a minha aflição.
Demorei um pouco para escrever esse texto, porque a cada dia o processo é diferente. É como se você revisitasse alguns momentos e pensasse: Qual seria o melhor para mudar? E se mudasse, mudaria tudo? E tudo isso te afasta dessa luta. Há os dias nos quais você não pensa nisso, porém depois experimenta uma ressaca (seja marítima ou alcóolica) uma coisa que te remexe e que te afoga. Uma culpa por seguir, outra culpa por estar parado, outra por parecer que parece que talvez você esteja seguindo. Lutar é definitivamente um verbo difícil de conjugar na primeira pessoa do singular. Ele melhora um pouco na primeira pessoa do plural, mas mesmo no nós lutamos, cada um luta também a sua luta. E sempre novamente eu luto.
Eu luto. Desde o ano passado pratico Jiu-jitsu. É engraçado, porque quando criança fiz umas aulas, mas assim que me machuquei meus pais me tiraram. O mais engraçado ainda é que me machuquei numa brincadeira antes da aula. Mas com 39 anos resolvi voltar. Voltar é forte, resolvi começar. Começar numa luta depois de velho, ser faixa branca, iniciar uma jornada. Desenvolve-se uma resiliência ( que acredito ser também da idade), mas também um desejo de fechar esse ciclo. Ali naquele tatame, durante 60 minutos o tempo para.
No início do ano participei do meu primeiro campeonato. E foi muito bom entrar numa luta sabendo que você está preparado. Independente dos resultados (ganhei a semi, perdi a final) você dá seu melhor. Lutar me dá forças pra lutar, me dá gás pra correr, me ensina a respirar. Colocar o gás carbônico pra fora, não encher desesperadamente os pulmões. E quando você está morto, é aí que começa a arte marcial. A luta me ensina a conhecer meus limites, mas também me incentiva numa onda meio kamikaze. A adrenalina, a endorfina, a taquicardia.
Outro dia desses vi um post no LinkedIn, no qual um pai, que perdeu sua filha há dezesseis anos ainda bebê, com ajuda de inteligência artificial pode ter o que seria uma representação da sua filha com dezesseis anos. Como seriam seus olhos, cabelo, como seria seu quarto. E ali ele pode viver essas transformações que ficaram apenas na sua memória de futuro. Fiquei bem mexido com isso, pensei em tentar ver como seria, mas não tive coragem. Na verdade, ainda não tenho coragem.
Na minha versão da música de Toquinho, sonhei um lindo sonho, pude ver que em algum momento ele seria um menino igual a mim, mas infelizmente foi meu filho quem me ouviu embalá-lo num acalanto de adeus. Talvez ele tenha me respondido e não consegui ouvir. Agora sonho com o filho que tive, não mais com o que queria ter. E essa é a minha luta e o meu luto.
Caso vocês gostem das discussões aqui levantadas e tenham vontade de responder, realmente estou aqui para trocar essa ideia. Além disso, se gostarem do conteúdo, indiquem para amigos que vocês acreditam que se beneficiarão desse papo.
Te considero um escritor muito corajoso, Chico. Ao invés de postar foto bonita você publica sua radiografia: mostra os ossos que estão quebrados, as fraturas que já calcificaram, a hérnia de disco que gera dor. Falar da oscilação entre dias de luto, dias de culpa e dias de golpes contra si mesmo requer muita coragem. Sinto admiração e certa inveja dessa coragem e da força que você convoca pra correr dezenas de quilômetros, nadar no mar, cuidar da sua família, lutar jj, fazer vídeos, atender clientes, ser sócio de empresa e ainda assumir responsabilidades espirituais. Ler sobre essas coisas todas me dá esperança no mundo… e na possibilidade de eu recuperar minha própria força. Ler você honrando essa vida linda que vocês geraram e cultivaram por tantos meses é muito emocionante.