Mussum e o aprisionamento do homem preto
A estigmatização e a caracterização no "inconsciente" coletivo.
Fala pessoal, tudo bem? Estamos aqui em mais Um bom dia para uma boa semana.
Todas e todos conhecem esse homem negro na foto. Ele fez parte da infância da maioria das pessoas que cresceram entre os anos de 1970 e 1990. E talvez parte dos mais novos tenham a referência dele que foi integrante de um dos maiores quartetos de “comédia” da história da TV e do cinema brasileiro. Os Trapalhões tem 17 filmes nas 50 maiores bilheterias brasileiras. E isso realmente não é qualquer coisa.
Mas sem googlar vocês sabem o nome dele? Hoje é muito comum saber de outros talentos dele. Mas vocês sabiam que ele era realmente um excelente músico, diretor de harmonia da ala das baianas da Mangueira, inventor do reco-reco de molas de metal, quem trouxe o banjo para o samba brasileiro entre tantas outras façanhas?
Antônio Carlos ou Carlinhos do Reco-reco ou Carlinhos da Mangueira nasceram muito antes do Mussum. E não quero com esse texto de hoje ficar remoendo só o fato de deixarmos para lá tantos talentos que os artistas e as artistas tem. Mas como que no caso do Antônio Carlos e de tantos outros exemplos como Jorge Lafond e Sebastião Bernardes, o Grande Otelo, tivemos o aprisionamento da figura desses artistas em um estereótipo. No caso de Carlinhos e Tião do homem negro, bêbado que fala errado. E o Jorge dentro da personagem da Vera Verão e os parecidos com esse.
No caso do Mussum tem o agravante racista, já que muçum é um peixe de água doce negro e liso. Um apelido racista e muito comum na época dele. É um equivalente a Macaco, Buiú, entre outros.
A tristeza dessa história passa pelo esquecimento ativo praticado com o legado desses artistas. E esse aprisionamento é o mesmo que muitas vezes na minha vida, por exemplo, senti. E de alguma maneira não sabia nomear isso. Não sei ainda muito bem. Felizmente a vida é um aprendizado e quando damos um passo a frente não estamos mais no mesmo lugar, porém as vezes é muito difícil. Atender essa demanda de ser engraçado, divertir, e não conseguir ser levado a sério é muito complicado e avassalador.
Essa é a marca que o racismo produz no inconsciente coletivo. Não é preciso ensinar o racismo ativamente a uma criança, pois os símbolos que foram e vem sendo cravados nesse zeitgeist, na própria história e até no nosso DNA é esse. O corpo é visto e interpretado, hiperssexualizado, limitado e ditado. O estigma é produzido, fabricado e enlatado de uma maneira que já se nasce com essa marca. E como ouvimos sempre, no Brasil isso foi feito com um requinte de crueldade muito forte e sútil/nada sútil.
É claro que ‘cacildis’, ‘forevis’, ‘mé’, ‘tranquilis’, ‘como de fatis’ e ‘não tem problemis’ são todas expressões que carregam o legado de Mussum e são fruto do seu trabalho artístico, porém seria muito bom ver Carlinhos do reco-reco ser mais celebrado. Assim como tantas outras facetas desse homem, que como todo ser humano não era perfeito, mas sempre buscou a prosperidade para os seus.
Programa MPB Especial com Originais do Samba.
Capítulo do podcast Vidas Negras sobre Carlinhos do Reco-reco.
Documentário sobre vida e carreira do Mussum. De Susanna Lira.
Queria terminar hoje com uma frase do Gabo, Gabriel Garcia Marquez:
“A coisa mais importante deste mundo é o processo de criação. Que tipo de mistério é esse, que faz com que o simples desejo de contar história se transforme numa paixão, e que um ser humano seja capaz de morrer por essa paixão, morrer de fome, de frio ou do que for desde que seja capaz de fazer uma coisa que não pode ser vista nem tocada, e que afinal, pensando bem, não serve para nada?”
Caso vocês gostem das discussões aqui levantadas e tenham vontade de responder, realmente estou aqui para trocar essas ideias. Além disso, se gostarem do conteúdo, indiquem para amigos que vocês acreditam que se beneficiarão desses papos. Um bom dia para uma boa semana em Julho será semanal. Tenho nem roupa pra isso!