Eu sou o Chico Canella e estamos aqui em mais Um bom dia para uma boa semana.
Meu primeiro encontro com a morte se deu quando tinha uns 6 anos. Lembro de chegar em casa da escola, ir no quarto da minha avó e vê-la deitada no sofá chorando, enquanto meu tio a acalentava. Nesse dia, o irmão dela havia falecido. Não esqueço de como seu corpo se mexia. Até então, achava que só crianças choravam daquele jeito. A forma como as palavras não fazem sentido ou como parece que algo foi retirado de você com tanta força que realmente um buraco se instaura. Nesse dia, nem meu tio conseguiu ajudar minha avó.
Não me lembro ao certo qual foi o primeiro enterro que fui na vida. Se a memória não me engana, foi o de Tia Judith. Ela era a Tia da Kombi da nossa escola e quando meus pais tiravam o vale-night deles (éramos três meninos lá em casa), era ela quem tomava conta de nós. Inclusive, ela era muito maneira. Sempre fazia umas piadas e ensinava alguma coisa pra gente. Não me lembro ao certo do seu rosto. Mas tenho essa vaga memória de uma mulher de cabelos curtos, branca e de óculos. Recordo com vivacidade da Kombi cheia de crianças e do desejo de ser o último a ser deixado em casa. Pouco me vem quando penso no enterro em si. Mas tenho uma sensação de uma música cantada um tom abaixo.
O primeiro colega do qual me recordo ter perdido era um menino lindo. Tocava guitarra numa banda, era maneiro, mas as vezes meio quieto. Um dia voltando da escola, caiu na rua e foi atropelado. Na época pensei que poderia ter sido um atentando contra sua vida, mas hoje acho que não. Acho que foi um acidente. Um acidente triste. Depois de alguns anos, outro amigo adoeceu. Com ele aprendi a demora que a morte pode ter. Não uma demora longa, mas um tempo. E no dia do seu enterro, foi a primeira vez que ouvi a frase: “Mais um pássaro abatido em pleno voo”. Imagino que por conta da minha idade, associei o pleno voo a juventude. E hoje, depois de alguns anos, não o faço mais. O pleno voo é o momento em que vivemos. São as possibilidades criadas e explorada por nós.
O pleno voo também é uma espécie de entendimento de transitoriedade. Um deslocamento, uma produção de desejo de ir e vir. Seja uma migração, seja um momento de curtição, seja para dar um bote ou para escapar de algum perigo terrestre, o pleno voo é a tal da finalidade, mas do que o caminho para a linha de chegada. Linhas que tecem a trama da vida. Sustentam nossos sonhos, nossas vontades até o dia que rompem e fazemos a passagem.
A morte sempre atualiza a vida. E nós vivos, sempre tentamos esquecer da morte. Mas graças as deusas nunca tentamos esquecer dos mortos. Pelo menos dos que deixam saudade. E tantos nos deixam saudade. Outra frase que ouvi e me chamou muita atenção foi: “Dessa vida a gente só leva saudade". E eu de alguma forma quero ainda esperar um pouco para levá-la.
Esse texto é mais um desabafo.
Um desabafo-homenagem a tantas pessoas que se foram em pleno voo e levaram muita saudade.
Caso vocês gostem das discussões aqui levantadas e tenham vontade de responder, realmente estou aqui para trocar essa ideia. Além disso, se gostarem do conteúdo, indiquem para amigos que vocês acreditam que se beneficiarão desse papo.
Brigada por lembrar a gente que “a morte atualiza a vida”. Sinto que a morte de alguém próximo interrompe e rasga o tecido conjuntivo da minha vida. Sinto a ferida e o longo período de cicatrização. Agora vou refletir sobre como a morte também pode atualizar a gente de um jeito positivo. Gracias!