Fala galera, tudo bem? Estamos aqui em mais Um bom dia para uma boa semana.
Durante muito tempo achei que o pós-apocalipse fosse a suspensão da moral como conhecemos. E por isso as pessoas se comportavam de maneira tão violenta e dominadora. Porém, cada dia mais penso não ser muito por ai. O pós apocalipse é apenas a continuação do pré-apocalipse com algum tipo de mazela insurgindo sobre a humanidade. Como a fome, o desamparo, a necessidade, a sobrevivência, as justificativas para voltar sempre a mesma premissa: ou os mais fortes ou os mais espertos precisam triunfar.
A estrutura social não muda efetivamente. Mantem-se os privilégios de quem pode se privilegiar enquanto a maior parte das pessoas seguem vagando e sofrendo só que um pouco pior do que antes (talvez). A certeza de que estão certos, de que merecem ser atendidos ou da sua necessidade vir antes da de todos, transforma muitas vezes pessoas cotidianas em monstros maiores que as bombas ou os zumbis ou seja lá o que for.
The Last of us é um jogo que virou uma excelente série recém lançada pela HBO e traz a trajetória de um homem Joel (Pedro Pascal) e uma adolescente Ellie (Bella Ramsey) em meio a um mundo dividido. Entre vivos e mortos, Fedra e Vaga-lumes, opressores e oprimidos. Dentro dessa dança os personagens a cada momento estão de um lado da moeda. Decidindo ativamente ou não serem bons, maus, ativos, passivos ou tiranos.
De alguma forma, tanto os vivos quanto os mortos tem o mesmo objetivo. Porém, os mortos tem um senso de coletividade mais definido(?) ou mais apurado. A motivação deles é fazer a colônia crescer. Eles não sentem fome, não se apaixonam, não se aproveitam, não descansam, só buscam a multiplicação. Enquanto os vivos tem suas pulsões e vicissitudes. Suas necessidades, o que nos torna humanos.
Assistir essa série essa semana, junto com outros acontecimentos dessa semana, me fez pensar muito sobre a masculinidade. E como mesmo num mundo com fungos mutantes e zumbis o maior monstro segue sendo o homem. E aqui gostaria de frisar que não o homem Joel, Bill, Tommy ou David (de quem temos muita raiva). Mas do papel homem dentro da nossa sociedade. Que nós, homens, infelizmente performamos. A individualização da culpa cria um Judas para ser malhado, enquanto tantos outros seguem suas atrocidades.
Guimê, Joel, Cara de Sapato e tantos outros são exemplos de como funcionamos por exclusão. E é claro que aqui não estou falando de outros agentes sociais, mas sim dos homens. Por mais que o BBB tenha sido uma ótima aula para vermos a culpabilização da vítima e a própria lógica da exclusão. Só consigo acreditar numa possível mudança real quando nos mobilizarmos enquanto categoria de forma ativa em busca de transformação. Não de apaziguamento, nem de perpetuação de culpabilização. O problema é estrutural, pois envolve uma estrutura. Envolve uma mudança de paradigma na estrutura da sociedade. E isso não vai acontecer com dualidade. Mas sim com trabalho e trabalho por parte de nós homens. Da mesma forma que o racismo é um problema de brancos, o machismo é um problema de homens que transborda para tantas outras realidades distintas da masculinidade.
A reflexão coletiva é urgente. Seja através de políticas públicas, projetos governamentais, nas escolas, nas instituições totais, seja através de grupos reflexivos de acolhimento e de possibilidade de trocas reais, não para massagear o ego ou eleger culpados, mas para criar possibilidade de escuta coletiva, fragilização frente ao outro, quebra de silêncio, quebra da corrente das repetições. O Projeto Memoh (esse episódio do podcast, esse e esse são fundamentais) é uma possibilidade para estar na sua empresa, escola, grupo de amigos, facilitando ou ministrando conteúdos que nos ajudam a ter novas perspectivas.
De todos os textos escritos esse foi o mais difícil, pois não gostaria de abrir possibilidades de desviar a importância desse assunto com alguma interpretação dúbia. Acredito piamente na necessidade de punição de pessoas que cometam crimes. Acredito também que precisamos capacitar melhor os profissionais sejam médicos, policiais ou defensores para acolherem melhor as mulheres vítimas de abuso, violência física ou sexual.
No final das contas precisamos, enquanto sociedade, encontrar uma forma de parar de educar homens para serem eternos garotos.
Caso vocês gostem das discussões aqui levantadas e tenham vontade de responder, realmente estou aqui para trocar essa ideia. Além disso, se gostarem do conteúdo, indiquem para amigos que vocês acreditam que se beneficiarão desse papo.
Adorei o texto, Chico! Não esperava que começando com o pós-apocalipse você ia chegar no BBB. Concordo que nossa sociedade precisa *muito* repensar a masculinidade. Mesmo nós que somos feministas e trabalhamos com questões de gênero falamos muito mais sobre o papel da mulher do que sobre o papel do homem na construção de um mundo mais igualitário. Temos que falar mais e fico muito feliz de ver você levantando essa bola. Vivo me perguntando quantos homens estão realmente comprometidos em apoiar as mulheres a sua volta? Quantos homens apóiam mulheres como parte de sua militância política cotidiana? Quantos apóiam o desenvolvimento profissional da companheira? Quantos oferecem cuidar dos filhos pra amiga-mãe poder ir naquela festa? São poucos porque os homens são ensinados a se priorizar, a fazer o seu corre primeiro e depois, bem depois, talvez, olhar pro lado e oferecer ajuda.