Olá! Eu sou o Chico Canella e essa é Um bom dia para uma boa semana! Uma newsletter quase semanal sobre temas quase cotidianos.
Todo hiperfoco leva a gente a algum lugar. As vezes nos leva a correr uma maratona, as vezes leva a ganhar um Oscar, as vezes leva a solidão. Não que não seja importante poder focar e realizar tarefas que nos movem. Porém, é necessário estar ligado nas consequências e topar.
Como vimos na semana passada, muito tem se falado (ainda) sobre a criatividade e produtividade. E como todas as ferramentas de IA buscam, umas mais do que outras, preencher esse vazio entre esses dois pontos. Se criatividade é o teu negócio, é difícil pensar que você será criativo o tempo todo para manter uma produtividade rendendo bons frutos para seu bolso. Ao mesmo tempo, é difícil pensar numa fórmula na qual todos os pratinhos continuem girando na vareta, enquanto somos bem sucedidos no mercado de trabalho. Quando pegamos biografias de GRANDES EMPREENDEDORES ou CRIATIVOS, notamos a dificuldade sempre presente em algum ponto da vida deles. Normalmente, na área pessoal. Ou negligenciaram tempo com a família, com filhos e esposas, ou colocaram todos para viver ao redor dos seu próprio sonho ou os dois.
Esse fim de semana, enquanto faxinava minha casa, estava ouvindo um podcast sobre o porque empreendedores tem que fazer esportes de alto rendimento. Porque? Não sei, só sei que foi assim. E nesse programa todos sem excessão disseram que a rotina dos treinos não afetou em nada a vida pessoal deles. Um até citou como a localidade das provas era uma oportunidade para ele e a esposa conhecerem novos lugares. Quando fiz o ciclo para minha meia-maratona isso teve um impacto grande no meu relacionamento. E tenho certeza da minha culpa nisso. Subestimei o impacto do processo no minha vida pessoal e negligenciei muitos momentos junto a minha família para fazer “coisas que me fazem bem”. E na verdade, o meu sentimento de culpa vem do fato de não ter conversado com minha companheira e minha filha sobre esses quatro meses.
Todo hiperfoco leva a gente a algum lugar. Uma lupa pode amplificar uma informação ou queimar minha pele quando raios de sol convergem dela para um ponto específico. O mais óbvio de tudo é todo mundo tem 24 horas. E por mais que Marçais ou outras pessoas tentem convencer você do contrário, isso é uma falácia. A única condição capaz de esticar as horas do dia é o privilégio. Privilégio da acesso. Não só as melhores escolas, bairros, lazeres, mas também as redes. E estando nas redes tudo pode se transformar. As oportunidades aparecem porque você é amigo do filho do dono. Estar no lugar certo na hora certa não é acaso é acesso. Mas até quem tem acesso precisa lidar com ser presente ou ausente na vida das pessoas amadas por eles. No podcast Pensando Alto do Arthur Miller, ele fala um pouco sobre esse mito da criatividade/produtividade e cita o Casey Neistat, cujo vlog diário teve oitocentos e poucos capítulos seguidos. Ao ser indagado em como isso foi possível, sua resposta foi sendo um marido ausente, um pai ausente, deixando meus outros negócios de lado. Uma resposta bem sincera, mas pouco surpreendente.
O pouco que me lembro das aulas de Filosofia heideggeriana com o professor Gilvan Fogel no IFCS em 2005 fala sobre como o revelar ao mesmo tempo em que revela algo vela novamente. Ao expor algo, algo sempre é escondido novamente. Revelar é trazer algo a luz, mas (re)velar algo a escuridão. A medida em que sou mais presente em um determinado lugar, sou mais ausente em diversos outros. E essa é aquela conta que não fecha. Citei o exemplo dos pratos rodando nas varetas e ora o hiperfoco em algum prato ora o TDAH me afastando de todos os pratos, vai fazer algum ou todos caírem. No passado, eu deixava todos caírem, agora acredito muito na possibilidade de parar de rodar e guardar alguns pratos no armário.
Quero gravar vídeos, quero escrever newsletters, quero ser reconhecido como o bom profissional que sou, quero dar palestras, quero facilitar grupos, quero muitas coisas, mas entendo também o fato de que estar sentado na frente do computador depois de 8h de trabalho as 22:06 terminando essa newsletter, faz com que não esteja com a minha esposa admirando aquele barrigão lindo com nosso neném ali. Mas entendo a necessidade desse esforço, já que essa é a hora semanal possível para concatenar todas as idéias das coisas lidas, ouvidas, pensadas e traduzidas nesse texto. Espero cada vez mais ter a capacidade reflexiva necessária para entender qual é o momento da presença no profissional e da presença no pessoal. E lidar com essas ausências não como falhas, mas como os intervalos ainda necessários para construir um futuro maneiro, mas um presente tranquilo.
Caso vocês gostem das discussões aqui levantadas e tenham vontade de responder, realmente estou aqui para trocar essa ideia. Além disso, se gostarem do conteúdo, indiquem para amigos que vocês acreditam que se beneficiarão desse papo.