Fala pessoal, tudo bem? Estamos aqui em mais Um bom dia para uma boa semana.
Não consegui fugir do trend de Severance (Ruptura) a série do player Apple +. Acredito que boa parte das pessoas possam ter assistido, mas caso você não tenha, aconselho a ler com cautela. Não terão spoilers de cenas, mas falaremos um pouquinho sobre impressões sobre a trama e os acontecimentos. Talvez isso seja um spoiler, se for, isso transforma minha frase num spoiler alert.
Tem muitos vídeos bacanas de análises estruturais da história da série, um lindo vídeo do Gaveta sobre a estética, uma entrevista com a Diretora de Fotografia, Jessica Lee Gagné e um papo com Ben Stiller, Diretor Geral do programa.
Todos esses vídeos me saciaram em alguma instancia em relação a série. Eles se complementam e dão contorno a uma angústia instaurada pelo tema central da série. Pessoas passam por um procedimento cirúrgico e este separa suas memórias em duas. Temos a pessoa vivendo a parte externa ao trabalho. A pessoa que dirige, faz compras, transa, dorme, tem memórias do passado. E temos a pessoa que passa a existir exclusivamente no trabalho. Sem memórias do passado anterior ou a qualquer coisa exterior ao trabalho. A vida profissional fica compartimentada dentro das 8h de serviço. Nem os “Outies” (eu fora do trabalho) nem os “Innies” (eu dentro do trabalho) tem a consciência do propósito do que fazem. Além disso, os departamentos são todos muito separados, os corredores da empresa simulam labirintos & tem pessoas que trabalham lá todos os dias que não passaram pelo procedimento de Ruptura (pelo menos não foi revelado se sim ou não)
Preciso dar uma pausa e dizer que super tenho uma dificuldade de surfar no hype. Acredito ser uma espécie de birra, talvez advinda da minha experiência racial, talvez advinda de um bode com o que todo mundo ama. Eu nunca assisti Titanic por causa disso. E não estou falando isso para dizer nossa que diferentão, mas sim para termos uma pausa dramática antes de seguirmos.
A minha maior brisa com essa série é a seguinte: são muitos os motivos que fazem com que um indivíduo escolha passar por isso. Bloquear a vida afetiva, separar prazer de dever, criar um avatar escravizado, não ter preocupações com o que está acontecendo em cada esfera ou terceirizar as responsabilidades. Mas é muito gritante como o sistema se aproveita disso. Porque não importa que a vida do indivíduo está caindo aos pedaços do lado de fora. Todos os dias teremos seres funcionais e bloqueados de toda a pressão exterior. Enquanto, também temos “outties” sem o peso das decisões tomadas no âmbito profissional.
Assistindo a série me lembrei do conceito de Intercessores do Deleuze. O filósofo fala como não existe privilégio na relação entre arte, ciência e filosofia. A primeira cria agregados sensíveis, a segunda cria funções e a terceira cria conceitos. E a questão para ele é “como é possível que um conceito, um agregado e uma função se encontrem? O autor considera então essas instancias como linhas melódicas estrangeiras. E o intercâmbio entre elas nunca se deu por vigília, “o importante nunca foi acompanhar o movimento do vizinho, mas fazer seu próprio movimento”. Tudo isso para dizer que o intercessores são o essencial para a criação. É preciso fabricar seus próprios intercessores. Eu preciso de meus intercessores para me exprimir. “Sempre se trabalha em vários, mesmo quando isso não se vê”.
De uma forma ou de outra existe uma revolta dos “innies” que produzem dentro do campo da sua existência, que é o trabalho, a produção de seus Intercessores. Através de pequenos atos, de pequenas mudanças os personagens vão construindo um corpo de forma que necessitam de uma expressão nunca necessária antes. Mesmo que isso se resuma ao fim de suas existências. Claro que a série está construindo um caminho do meio nesse sentido que seria a reintegração. O personagem do Petey conservou durante um tempo as memórias do trabalho e da vida pessoal. Mas a Ruptura dentro da ruptura se dá nessa curiosidade despertada entre eles. E de alguma forma rola um rompimento com a prática vigente e um término necessário com esse conformismo.
Provavelmente um estudioso de Deleuze ou um crítico de cinema vão me dizer que nem entendi Deleuze, nem entendi Severance. Talvez estejam certos. E se tudo der errado, farei como a banda de nosso amigo Diego Padilha com a canção Eu Não Entendi Severance nem Deleuze.
Curtinhas:
O texto completo do Deleuze aqui.
Estou lendo no momento três livros (não tenho orgulho disso, mas é como consigo fazer). Três Roteiros de Kleber Mendonça Filho (O Som ao Redor, Aquarius e Bacurau) sempre que termino um dos roteiros revejo os filmes. A Poética de Aristóteles. Voltei a me atracar também com Reinventando as Organizações.
Caso vocês gostem das discussões aqui levantadas e tenham vontade de responder, realmente estou aqui para trocar essas ideias. Além disso, se gostarem do conteúdo, indiquem para amigos que vocês acreditam que se beneficiarão desses papos. Um bom dia para uma boa semana é quinzenal, mas tem o intuito de ser semanal um dia.