Racionais, Frantz Fanon e Neusa Santos Souza
As violências contra a população negra e a necessidade da construção do discurso sobre si
Eu sou o Chico Canella e estamos aqui em mais Um bom dia para uma boa semana.
“60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais já sofreram violência policial. A cada quatro pessoas mortas pela polícia, três são negras. Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negro. A cada quatro horas, um jovem negro morre violentamente em São Paulo.”
O depoimento de primo Preto, mais um sobrevivente, abre Capítulo 4, Versículo 3 dos Racionais Mcs. O disco Sobrevivendo no Inferno saiu em 1997 e mudou pra sempre o curso do rap brasileiro. Uma energia de ativação que contagiou os grupos existentes e deu aquela empurrada nos que estavam por vir.
Essa música traz dados que me fizeram pensar um pouco sobre a violência contra o homem negro e tantas outras questões envolvidas. Vinte cinco anos depois do lançamento da canção uma pesquisa divulgou que a taxa de homicídio de homens negros no Brasil é quase 4 vezes maior do que a de não-negros.
“Nas regiões coloniais, em contrapartida, o policial e o soldado, por sua presença imediata, sua intervenções diretas e frequentes, mantêm o contato com o colonizado e lhe aconselham, com coronhadas ou napalm, que fique quieto.” (Fanon, Os condenados da Terra)
É importante entender o planejamento para isso. Não é um acaso ou um evento espontâneo. É um projeto. Um projeto tão antigo quanto o próprio colonialismo.
“Como vemos, o intermediário do poder utiliza uma linguagem de pura violência” (Fanon, Os Condenados da Terra)
A linguagem da pura violência é a forma de manter sobre essa linha dura tantas pessoas, como foram as torturas durante o período da escravização, as remoções para ampliação de espaços da cidade, a presença e opressão policial nas comunidades, entre tantos outros exemplos. Essa forma de manter essa população em situação de vulnerabilidade e a submetendo a essa lógica racista.
“O intermediário não alivia a opressão, não disfarça a dominação. Ele as expõe, ele as manifesta com a consciência tranquila das forças da ordem. O intermediário leva a violência para as casas e para os cérebros dos colonizados” (Fanon, Os Condenados da Terra)
A cara do freio da Blazer, o ator que interpreta tantos papéis sem nome e é interpretado pelos outros como violento, a mulher que não pode querer ter sua própria história, o jovem colocado pra fora de casa, o artista sem reconhecimento ou aprisionado a uma única imagem. São tantos os exemplos das violências.
Na primeira frase do livro Tornar-se Negro de Neusa Santos Souza, a autora escreve: “Uma das formas de exercer autonomia é possuir um discurso sobre si mesmo”. A violência e a desumanização representada por ela, tiram de nós justamente isso. Que discurso sobre si é possível para uma pessoa negra dentro da sociedade em que vivemos? Neusa continua: “Este livro representa meu anseio e tentativa de elaborar um gênero de conhecimento que viabilize a construção de um discurso do negro sobre o negro, no que tange à sua emocionalidade”
Vejo muitos espaços nos quais podemos desenvolver nossos discursos sobre si. Muitas pessoas engajadas e empenhadas na mudança desses esteriótipos de estética, profissão, cargos, lugares no mundo. Mas ainda tem muito caminho pela frente. Até porque o racismo não vai acabar amanhã, nem depois de amanhã, nem no ano que vem. Porém, é tão importante saber que “eu quero ser maior que essas muralhas que eles construíram ao meu redor” como canta meu mano BK e encontrar mais pessoas para fazer isso junto.
Caso vocês gostem das discussões aqui levantadas e tenham vontade de responder, realmente estou aqui para trocar essa ideia. Além disso, se gostarem do conteúdo, indiquem para amigos que vocês acreditam que se beneficiarão desse papo.