Sejamos realistas queiramos o impossível
Reverberações da Imersão: Como criar pra si um corpo decolonizado e do caso Vini Jr
Eu sou o Chico Canella e estamos aqui em mais Um bom dia para uma boa semana.
Nesse último final de semana, participei da imersão Como criar para si um corpo decolonizado. A condução desse trabalho foi feita pelos terapeutas Lucas Veiga, Ruth Tapuya e Ana Sou. Foi um final de semana maravilhoso com muita troca, experimentações de outras abordagens de pensamento, de formulação de pensamento e de ações.
A partir de um texto de Lucas, presente em seu livro “Clínica do impossível: linhas de fuga e de cura”, e que é homônimo ao título da imersão, foi proposto por cada um desses terapeutas outras referências para quando se pensa em pensar sobre subjetividade, corpo, práticas corporais, terapia, yoga e porque não viver. Através de vivências leves vivemos momentos de presença, potência e desconstrução (apesar dessa não ser a minha palavra favorita) duma voz insuportável que não sai de nossas cabeças. Aquela voz do texto da semana passada (leia aqui) e que é a mesma voz tão proliferada há tanto tempo, que pode ser considerado pouco se pensamos nos vinte cinco mil anos de história do homo sapiens, mas que é muito tempo quando pensamos nos trezentos anos de escravização no Brasil e de produções de discursos de ódio disfarçados de “ciência” contra os povos africanos e originários das Américas.
Neusa Santos Souza falou que o mais importante para um povo se reconhecer sua importância é ter um discurso sobre si. Uma forma apropriada de se ver, de se falar, de se pensar. A imersão nos deu (aos participantes e aos terapeutas em ação) a possibilidade de pensarmos sobre nós. Sobre nós dados há muito tempo e que não foram dados por nenhum de nós ali presentes. Mas que hoje apertam mais pra uns do que pra outros. E é importante perceber de todos esse nós quais estão mais leves pra mim e que posso ajudar a afrouxar ou o que me aperta e preciso de ajuda para sentir esse alívio. Existe um campo de interseção necessário para em conjunto minimizarmos algumas coisas. Sem nomear necessariamente os lugares de cada um nessa transformação, mas produzindo possibilidades para que algo se transforme.
O padrão branco-hetero-cis é defendido por unhas e dentes por aqueles que tem medo de revisar como as coisas são e como poderiam ser. A Yoga, pra mim por exemplo, era um lugar no qual tinha a certeza que não me encaixava. Seja pela minha inabilidade com alguns movimentos mais rebuscados, ou pelas posições finais, nas quais esperam que cheguemos ou pelo meu encurtamento de músculos, minha dor na lombar. Minha experiência na yoga era a de desistir de mim. Nessa experiência do final de semana, pude me conectar com uma prática que insiste em mim. Insiste pois os padrões não são necessariamente estabelecidos pela norma ou pela chegada, mas sim por um caminho a ser percorrido por todes. Movimentos espiralares, corpos espiralados, afetos em espiral. Turbilhão e turbina.
Realmente, sair dessa zona de frequência de pensamento foi difícil. Chegar de volta ao Rio de Janeiro, ser impactado pela pressa, pelo trânsito, pelo mundo e pelo racismo como no caso do jogador do Real Madrid Vini Jr. O mito da democracia racial, ou melhor, a falácia da democracia racial só se apresenta para quem quer vê-la e hoje em dia até essas pessoas estão com dificuldades. As pessoas esquecem do papel do esporte na transformação da vida das pessoas, mas não é uma escravização dos afetos em prol da diversão alheia. Vini Jr tem sentimentos. É um homem de 22 anos, joga num dos maiores clubes de futebol do mundo, mora num país europeu belíssimo, numa cidade igualmente belíssima, mas nunca o deixam esquecer que é preto, da pior forma.
Não bastam hashtags, nem pedidos de desculpas, muito menos culpabilizar a vítima. Precisam ser tomadas medidas enérgicas e de base, como por exemplo a manifestação do Ministério da Igualdade Racial, fazendo com que um Estado se manifeste frente a outro e de o tom sério que esse assunto merece. Mas depois de um fim de semana como o que tive, a pergunta que me vem é: a que custo de sofrimento psíquico e físico tudo isso não vem? Alguns pagaram com a vida. Outros pagaram com o esquecimento. Outros seguem pagando dívidas que não vem de hoje e que nem lembramos mais ao que se referem.
Espero que assim como nós encontramos essa fuga possível e em grupo nesse fim de semana, outros possam seguir fugindo de uma realidade difícil de se transformar de uma hora para outra. O racismo é um problema das pessoas brancas, da mesma forma que o machismo um problema dos homens. E são os donos desse problema que precisam se mexer para resolve-lo. É o presidente da La Liga e não Vini Jr. Pessoas com poder de decisão sobre instituições, sobre clubes, sobre o campeonato. E não chamar o jogador para conversar.
Se ser realista pode ser querer o impossível, gostaria que o racismo e as desigualdades de gênero, sociais e econômicas acabassem. Já que esse fim imediato não é possível, precisamos seguir fugindo, como nos ensinaram e ensinam as perspectivas afro indígenas .
Caso vocês gostem das discussões aqui levantadas e tenham vontade de responder, realmente estou aqui para trocar essa ideia. Além disso, se gostarem do conteúdo, indiquem para amigos que vocês acreditam que se beneficiarão desse papo.
Sobre o feedback que vc traz da yoga, abriu-se um grande sorriso por aqui? Agradeço a abertura em experimentar, apesar das vozes que a yoga já te trazia!
Enquanto tivermos que existir em meio a esse contexto de desigualdade violenta, é vital encontrar meios de manter a saúde. Para alguns a porta é a mente, para outros o corpo e assim vai.
"Existe um campo de interseção necessário para em conjunto minimizarmos algumas coisas." Isso é muito forte e às vezes o ritmo que nos impõem é tão frenético que não nos deixam encontrar as interseções.