Eu sou o Chico Canella e estamos aqui em mais Um bom dia para uma boa semana.
Chegamos em mais um 20/11. O dia que deflagra da forma mais descarada a inconsciência branca. Porque digo isso? Porque além de tornar uma luta produto, como muitas outras coisas tornam, o dia da consciência negra não traz consciência aos que não são negros do que realmente está acontecendo. E talvez um dos personagens mais cruéis desse role não seja o racista declarado, o falso moralista ou a bela recatada e do lar e sim o branco salvador.
Eu adquiri o hábito de escutar muito o quadro Picolé de Limão do canal Não Inviabilize, confesso que uma paciente falava muito da Déia e suas histórias, mas minha filha tem uma parcela de culpa enorme de ter me tornado um não inviabilizer. Enquanto homem, muitas das histórias me pegam num lugar meio estranho. Me sinto como alguns dos ouvintes que se manifestaram durante o podcast, aos quais a apresentadora um dia endereçou uma explicação de porque trata umas histórias de certa maneira e outras de forma mais tranquila e descontraída. A diferença reside nos impactos que cada uma tem na vida das pessoas. Enquanto uma mulher traída tenta juntar os cacos da vida e seguir, por exemplo, um homem traído pode muitas vezes perseguir, agredir e até matar sua ex-companheira em nome da honra ou seja do que for. Isso mostra como é necessário tratar alguns assuntos com mais leveza até para homens entenderem que serão traídos como a maior parte das mulheres e das pessoas são. Que isso é um dado da vida e não um convite a perpetuar a violência de gênero. Isso também me traz essa necessidade de entender junto aos meus companheiros de classe, porque não nos comunicamos mais e porque tratamos de forma tão excludente aqueles que representam nosso maior medo que é ser um abusador, um agressor ou um assassino. Remontando a uma lógica freudiana apresentada em Totem e Tabu, na qual os homens são excluídos da tribo e a única forma de ter a inclusão é matando o pai e ninguém assumindo aquele lugar. Eu sei que parece que desviei um pouco do tema proposto, mas vamos chegar lá.
A necessidade de organizar a masculinidade é uma necessidade para reorganizar o mundo como vivemos. E a questão nem é “porque nem todo homem”, pois todo homem sim. E toda essa exclusão e repúdio por parte da classe é para produzir uma diferenciação. Eles e eu. Eles que batem, que traem, que matam e eu que sou bom, que não vejo diferenças e propago a palavra do feminismo. Só que quando tento deixar tudo isso de fora o que não permito entrar, quando entra vem na forma descontrolada. Um dos grandes problemas da masculinidade é a não expressão dos seus sentimentos e o entendimento de que quando os expõe precisa ser compreendido. Como se fosse a resposta a questão proposta e por isso uma nota 10.
São inúmeros os homens que se sentem injustiçados por tudo e todos e que querem então trazer sua ira sobre a humanidade. E que não medirão esforços para mostrarem como foram injustiçados pela vida, pelos amigos, pelas companheiras, por tudo. E nesse momento, principalmente quando são brancos, mostram o pior lado do salvador que é o entendimento da ingratidão alheia.
Toda pessoa preta (retinta ou não) já se deparou com uma figura como essa. Sempre muito solicita, bacana e compreensiva. Sempre muito aberta para ouvir, para trocar e para deliberar. Mas assim que algo muda, se torna dona das idéias, quem deu voz e ouvidos e quis mostrar qual seria o melhor caminho que deveríamos tomar, quem nos deu todas as oportunidades e quem tomou todas as decisões difíceis. Única pessoa responsável por todo êxito e que nada tem a ver com nenhum dos problemas. Cheio de questionamentos e de certezas.
Da mesma forma que o machismo é um problema dos homens (todos os homens) e que precisamos nos organizar de uma forma para resolve-lo, sem precisar que uma mulher nos lembre através de uma queixa, de uma música, de um verso ou de um manifesto, o racismo é um problema branco e não é o povo preto dentro de seus espectros que tem que resolver isso. Nós somos vezes por vezes descreditados, desacreditados, desestabilizados, tirados dos lugares que conquistamos, nos são atribuídos cargos de subordinação ( e aqui eu não tenho problema nenhum de ser subordinado a alguém, caso fosse, o grande problema é ser sempre creditado um lugar que nunca é o que você pode ter e sim o que você parece ser). Quantas vezes uma pessoa branca comprou algo numa loja pra provar pro segurança que podia estar ali? Quantas vezes um homem branco que cometeu um crime foi preso pelo pescoço com um cadeado de bicicleta num poste? Quantas vezes um homem branco ao lado de um homem negro foi considerado funcionário dessa outra pessoa? Quantas vezes?
Essa história de mimimi é o jeito mais simples de minimizar isso tudo. Falar que tudo isso é mimimi, que nada disso é verdade. Que os fatos não são os fatos. Mas me cansa muito ter um feriado chamado Dia da Consciência Negra e não ter uma manifestação extensa e intensa para o cumprimento da Lei 10.639, uma fiscalização e atuação maior para crimes motivados por racismo, uma organização de eventos e estudos que movam a gente para outros lugares. Para evitarmos determinados comportamentos precisamos normalizar conversas, assuntos e discussões, para que o herói branco não possa sempre se escorar no “eu não sabia”.
Enquanto acabava de escrever esse texto recebi de um amigo esse vídeo que ilustra a importância da educação na nossa caminhada. E como o espaço da escola é importante para dar protagonismo aos nossos pretos e nossas pretas. Também é necessário seguir e consumir conteúdos que exaltem a cultura negra e suas histórias como: história preta, pra preto ler, projeto Querino (Tiago Rogero), artistas como: MAXWELL, OxiDany, lek.mbe, Rony Hernandes, Lilo Oliveira, Blínia Messias, Jonathan Ferr e pessoas tão importantes como: Lucas Veiga, Renatta Novaes, João Bigon e Naína de Paula.
Querem transformar a situação? Busquem informação, coloquem o ego no bolso e abram o peito para mudança!
Caso vocês gostem das discussões aqui levantadas e tenham vontade de responder, realmente estou aqui para trocar essa ideia. Além disso, se gostarem do conteúdo, indiquem para amigos que vocês acreditam que se beneficiarão desse papo.
Olha, mesmo se a gente sabe que a responsabilidade de acabar com o racismo é dos brancos, vemos que eles não assumem essa responsabilidade. Então cabe aos movimentos negros decidirem em que esforço focar sua energia: em pressionar os brancos a resolverem o problema que eles criaram e/ou em fazer tudo possível pra resolver o problema sem os brancos. Acho essa decisão bem difícil.
Você já deve conhecer, mesmo assim te mando essa biblioteca sobre estudos críticos da branquitude: https://observatoriobranquitude.com.br/chamada-biblioteca-branquitude/