Ted Lasso e Rocky VI
O final da série e da saga trazendo perspectivas sobre masculinidades possíveis
Eu sou o Chico Canella e estamos aqui em mais Um bom dia para uma boa semana.
Semana passada foi ao ar o último episódio da terceira temporada de Ted Lasso. E brincando falei no Instagram que essa série tem tudo a ver com Rocky VI com Sly Stallone. Mas porque Rocky VI e não todos os Rockys?
Esse texto contém spoilers do filme Rocky VI e da série Ted Lasso.
Em Rocky VI, vemos um Balboa mais velho, dono de um restaurante, como a relação com o filho em frangalhos e vivendo preso a uma eterna saudade do passado. Paulie, um homem magoado, é seu único amigo. E Rocky vive como um dos quadros de seu restaurante pendurado todas as noites para entreter seus clientes. Algo dentro de Balboa acende e ele sente a necessidade de voltar a lutar. Lutar nesse sentido mais amplo. Romper uma inércia e poder se conectar com novos afetos.
Ted Lasso, assim como Rocky, veste uma capa de proteção contra o mundo que o impactou. A perda de seu pai, o ruir de seu casamento e o medo de ser um pai-quebrado pro seu filho o fazem embarcar numa viagem transatlântica para trabalhar com um esporte que não entende. Toda a construção do personagem leva para um momento no qual Nate, um homem magoado, saí do mesmo clube de Ted e vai treinar o West Ham, mas antes disso rasga o cartaz escrito BELIEVE - acreditar.
O lugar do homem magoado com certeza será objeto de alguma reflexão em breve. O homem magoado não consegue distinguir o amor, os momentos do amor e se pauta sempre no olhar que tem de si do ponto de vista do outro. Nate tem raiva de Ted por este ter feito aquele se sentir amado e desejado. Nate tem problemas para se expressar, problemas frente a figuras de autoridade e principalmente age por impulsividade quando acuado. Assim como Paulie. O irmão amargurado de Adrian. Funcionário do frigorífico e sempre com raiva de Adrian ter encontrado o amor, assim como de Balboa por ser bem sucedido. Porém são eles quem abrem caminho para a redenção (entre aspas) de Rocky e Ted.
Balboa e Lasso acreditam em acreditar. Um homem tem que fazer o que um homem tem que fazer. E como disse antes, a luta é ampla. É uma luta por fechamento. Em busca de um fechamento para ambos. Rocky quer voltar a se sentir útil. Ted quer passar pelos ataques de pânico e encarar suas questões. Ambos se vêem em quinas da vida e precisam trabalhar. Ambos buscam serem melhores pais para os seus filhos. Os dois tentam contaminar a comunidade com essa outra possibilidade de se ver. E a cada passo que dão se abrem mais para o que pode acontecer. Não viver do acontecimento, mas viver no acontecimento.
Esse contágio acontece. Rocky consegue colocar pra fora as “stuff from the basement” (as coisas que estão guardadas) pra fora e dessa forma sensibiliza o campeão que também se reconecta com o boxe. Ted encara seus problemas e também consegue inspirar um ambiente masculino para ser melhor. Relações de troca e vulnerabilidade. Espaços seguros para ser quem se é. Uma Tedtopia dentro do universo do esporte de elite. Mas presente em nuances que me fazem querer também viver isso.
E no final, ambos saem vitoriosos mesmo não vencendo. De cabeça erguida, transformados e prontos para o próximo passo. O filho do Rocky abraçado com ele saindo da arena ovacionado, Paulie na beira do ringue lutando junto com ele, mostram a profundidade que algo pode chegar e a força desse emergir. O momento que todos os jogadores se abaixam pra organizar os pedacinhos do cartaz “BELIEVE” e os olhares de Nate e Ted se encontram é lindo. Toda a força coletiva, todos os desejos de ser e poder ser melhor, uma versão sua que se dá somente no encontro. Eu chorei demais. Tanto no filme quanto na série. É utópico? Sim. Mas já escrevi um texto com o título emprestado dos movimentos de Maio de 68 - Sejamos realistas, queiramos o impossível.
Ted e Rocky entendem que cuidar de si é cuidar dos outros. E me emociona poder viver pra ver obras como essas.
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